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quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Filosofia Moral das Rolagens de Dado

A experiência que temos no mundo real é a de decidirmos conscientemente nossos atos voluntários, ou seja, as oportunidades são processadas mentalmente na forma de intenções ou vontades antes de se manifestarem fisicamente como comportamentos e gerarem consequências no mundo real.

Os estudiosos de RPGs do fórum The Forge chegaram à conclusão de que os RPGs seguiam uma lógica semelhante, a IIEE (Iniciativa-Intento-Execução-Efeito), facilmente observada desde o Dungeons & Dragons, com sua etapas de:

  1. rolagem de iniciativa, para determinar a ordem das ações;
  2. declaração do jogador, para decidir a ação pretendida;
  3. rolagem de ataque, para determinar o sucesso da ação;
  4. rolagem de dano, para determinar seu efeito.
É interessante notar que, assim como nossas percepção da oportunidade e intenção ocorrem mentalmente, ou seja, num mundo diferente daquele onde ocorre a ação, nos RPGs as duas primeiras etapas, da vez do jogador e da deliberação da intenção de comportamento do personagem, se passam no metagame do mundo real, numa dimensão distinta do espaço imaginário compartilhado do mundo do jogo, onde se manifestam as últimas duas etapas.

Levando-se em consideração tudo que se passa em nossas cabeças antes de agirmos, em comparação com o tempo que um jogador leva para decidir, discutir e declarar as próximas ações de seu personagem, é como se essas duas primeiras etapas pudessem durar praticamente uma etermidade em relação ao tempo real, como se ocorressem num tempo kairós (divino, relacionado à qualidade do momento) enquanto que as últimas duas etapas acontecessem num tempo kronos (mundano, quantificável).

E como a IIEE dos RPGs estão relacionadas à conduta dos personagens, têm tudo a ver com a Ética, ou seja, com o ramo da Filosofia que trata da avaliação moral desses atos como socialmente aceitáveis ou eticamente corretos.

Neste sentido, a vez de um jogador é uma oportunidade que não deve ser desperdiçada (Carpe diem); sua declaração de intenção agrava sua prática como sendo dolosa e, portanto, sujeita a princípios e valores a serem ponderados racionalmente por seu livre-arbítrio não coagido e sua vontade própria não impulsiva (pode-se dizer se há boa ou má vontade); sua ação é um comportamento a ser comparado aos hábitos tradicionais e às normas e costumes vigentes em sua sociedade; e suas consequências são fatos capazes de alterar destinos, sendo julgados em sua utilidade de causadora ou abrandadora de gratificações (benefícios) ou sofrimentos (prejuízos) pelos quais há culpa e responsabilidade a serem assumidas pelo personagem - mas não por seu jogador.

Caso os personagens sejam heróis, deveriam buscar fazer o bem, buscar a felicidade na virtude, que está acima da alegria, da riqueza e da fama, que agradam somente ao desejo, ao medo e às paixões involuntárias, que não passam de meras vantagens de conveniência pessoal.

Levando-se tudo isso em consideração, os autores de jogos de RPG de mesa têm os instrumentos necessários e um compromisso com a dignidade humana ao elaborarem suas experiências de jogo a serem vividas e reproduzidas pelos praticantes de seus jogos.

Eu sei que hoje em dia se discutem achados psiconeurológicos que comprovam que agimos alguns instantes antes de racionalizarmos nossas ações, como se vivêssemos a justificar nosso comportamento autônomo e acreditássemos ter decidido agir de tal maneira. Isso até aparece na nova versão do Robocop, mas como nossa experiência é diferente da realidade factual, a forma de jogar acima nos parece mais intuitiva.

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